Com as flores do salgueiro

Um mar azul
pintou de branco
o vôo das gaivotas

Crepúsculo de Agosto

Para a minha filha


Dos amigos que perdi
não falo. Sei
que estamos em agosto, mês
dos remos escaldantes, sei
que há lodo sob as algas,
sob a pele. Oblíqua,
sei também, a sombra
cai sobre as oliveiras. É
tempo de içares
tuas velas, teus ergueres
teus guindastes
junto ao rio. Dis
poníveis estão
as luzes; preparadas,
ermas estão as águas.


Preciso de arrumar a casa, rever o sistema, brunir
os móveis e o tato.
Preciso de opor o tempo ao tempo.
O espaço ao espaço.

Ofício e Morada

De barro somos, dizem os oráculos,
solícitas vozes do crepúsculo
ou das manhãs solenes, rotuais.


De heróis e deuses falam
mitos e salmos, dou
tos compêndios de
subtil doutrina. Assim
de urtigas e de musgo
se alimentam as parábolas,
escreve a ciência
os seus epitáfios.


De comércio sabemos.
Com âncoras e astro
lábios medimos
nossa rota inscrita
na retina. Exaustos,
entre aquáticas
florestas, perseguimos
os veados do sol
e da vertigem. Por
obscuras silícias
e cretas navegamos.

Relógio sem ponteiros

Quando agora te debruças sobre a água do tanque, vês projetado, lá no fundo, um relógio sem ponteiros. Percebes, então, que a ferrugem é também uma qualidade e um atributo da água, e não apenas de alguns metais a que chamamos vis. E percebes ainda que já não são necessários os relógios. Tu já não tens idade, nem o tempo, que partilha do halo e da fluidez da água e é, às vezes, como ela, tão inodoro e insípido, se deixa prender, mesmo num vaso de cristal. E não podes, assim, medir-lhe a respiração. A sua duração, se preferes. Se alguma ainda subsiste, é a que é regulada pelos ponteiros do seu próprio corpo.

Trapézio

Volúvel foi o nome escolhido para a entronização da festa. Para seu ornamento, a máscara.


Uma orquestra de violinos, disposta em ogiva, convocada para a lânguida coreografia dos sentidos, ensaiava, em todos os timbres, a prometida melodia dos gestos e das palavras sem fronteiras.


Quem olhasse atentamente em redor, na sala deserta, acharia por fim descomposta a mesa, esgarçada a toalha de linho do banquete, rotas as cordas dos violinos.


Só o trapezista, lá no alto, aguardava ainda o sinal anunciado para o início do seu número, inscrito no programa. O trapézio fora, porém, retirado a ocultas, e, sem rede, apenas lhe restava o salto no vazio. O salto mortal.

Como um archote

Vem tudo à superfície.
Como se
dentro da casa
um maremoto levantasse
as pedras todas, uma a uma; como se
no centro, iluminadas,
as esferas rodassem
no seu eixo — tudo
de repente se inclina, tudo arde
nesta fogueira acesa
como um archote de sangue, uma lua
de enxofre.

Palavras

Nenhum ramo
é seguro. Frágeis
são as palavras.

Perfume

Nomearás
a abelha. Do mel
só conheces
o perfume, a pálida
rosa dos favos
em botão. O gesto
suspenso à espera
da mão esquiva
que o sustente.

A lâmina, o punhal

Não haverá futuro — e haverá
somente esta lâmina
de quartzo lacerando
a carne amarrotada. E haverá
somente este punhal
de cinza cravado
entre almofadas inúteis
e lençóis vazios.

Como um eco

Não tinhas nome. Existias como um eco do silêncio. Eras talvez uma pergunta do vento.

Entrevista (parte 1)

Entrevista (parte 2)

Entrevista (parte 3)

Entrevista (parte 4)

Faço

Faço
das tuas pernas
um emblema
e entro
com ele
na vulva
do poema.

Todos os cravos são vermelhos

Todos os cravos são vermelhos
se os colhes com teus joelhos.

Há no teu corpo duas bocas.

Há no teu corpo duas bocas.
Sôfregas ambas. Ambas loucas.

Tu és o arco,

Tu és o arco,
o alvo.
Eu sou o dardo,
a seta.
A flecha
do cometa.

Secreta

Secreta
como a crisálida.
Nua volátil
como a borboleta.

De ti digo sílabas

De ti digo sílabas
e pétalas. De ti
digo a rosa da noite
por abrir.